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Mostrando postagens de novembro, 2012

Epigrama nº 8

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"Encostei-me a ti, sabendo que eras somente onda. Sabendo bem que eras nuvem, depus a minha vida em ti. Como sabia bem tudo isso, e dei-me ao teu destino, frágil, Fiquei sem poder chorar quando caí." MEIRELES, Cecília.

A cantora gritante

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"Cantava tão bem Subiam-lhe oitavas Tantas tão claras Na garganta alva Que toda vizinhança Passou a invejá- la. (As mulheres, eu digo, porque os maridos às pampas excitados de lhe ouvir os trinados, a cada noite em suas gordas consortes enfiavam os bagos). Curvadas, claudicantes De xerecas inchadas Maldizendo a sorte Resolveram calar A cantora gritante. Certa noite... de muita escuridão De lua negra e chuvas Arrumaram o jumento Fodão a um toco negro. E pelos gorgomilos Arrastaram também A Garganta Alva Pros baixios do bicho. Petrificado O jumento Fodão Eternizou o nabo Na garganta-tesão... aquela Que cantava tão bem Oitavas tão claras Na garganta alva. Moral da estória: Se o teu canto é bonito, cuida que não seja um grito." HILST, Hilda. Bufólicas . p. 29-30.

Cantares do sem-nome e de partidas

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"I Que este amor não me cegue nem me siga. E de mim mesma nunca se aperceba. Que me exclua do estar sendo perseguida E do tormento De só por ele me saber estar sendo. Que o olhar não se perca nas tulipas Pois formas tão perfeitas de beleza Vêm do fulgor das trevas. E o meu Senhor habita o rutilante escuro De um suposto de heras em alto muro. Que este amor só me faça descontente E farta de fadigas. E de fragilidades tantas Eu me faça pequena. E diminuta e tenra Como só soem ser aranhas e formigas. Que este amor só me veja de partida. II E só me veja No não merecimento das conquistas. De pé. Nas plataformas, nas escadas Ou através de umas janelas baças: Uma mulher no trem: perfil desabitado de carícias. E só me veja no não merecimento e interdita: Papéis, valises, tomos, sobretudos Eu-alguém travestida de luto. (E um olhar de púrpura e desgosto, vendo através de mim navios e dorsos). Dorsos de luz de águas mais profundas. Peixes. Mas sobre mim, i

Carta de Fernando Pessoa à Ophélia Queiroz

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"9.10.1929 Terrível Bebé: Gosto das suas cartas, que são meiguinhas, e também gosto de si, que é meiguinha também. E é bombom, e é vespa, e é mel, que é das abelhas e não das vespas, e tudo está certo, e o Bebé deve escrever-me sempre, mesmo que eu não escreva, que é sempre, e eu estou triste, e sou maluco, e ninguém gosta de mim, e também porque é que havia de gostar, e isso mesmo, e torna tudo ao princípio, e parece-me que ainda lhe telefono hoje, e gostava de lhe dar um beijo na boca, com exactidão e gulodice e comer-lhe a boca e comer os beijinhos que tivesse lá escondidos e encostar-me ao seu ombro e escorregar para a ternura dos pombinhos, e pedir-lhe desculpa, e a desculpa ser a fingir, e tornar muitas vezes, e ponto final até recomeçar, e porque é que a Ophelinha gosta de um meliante e de um cevado e de um javardo e de um indivíduo com ventas de contador de gaz e expressão geral de não estar ali mas na pia da casa ao lado, e exactamente, e enfim, e vou acabar porqu

Gato que brincas na rua

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"Gato que brincas na rua Como se fosse na cama, Invejo a sorte que é tua Porque nem sorte se chama. Bom servo das leis fatais Que regem pedras e gentes, Que tens instintos gerais E sentes só o que sentes. És feliz porque és assim, Todo o nada que és é teu. Eu vejo-me e estou sem mim, Conheço-me e não sou eu." PESSOA, Fernando . Quando fui outro.  p. 30.