Trecho de "A Balada do Cárcere de Reading"


"Às seis horas limpamos nossas celas,
Às sete tudo é espera...
E o vibrar e o voltear de uma asa poderosa
Sobre o cárcere impera,
Pois o Senhor da Morte - o bafo frio e forte -
Para matar viera.

Em real pompa não passou, nem cavalgou
Corcel branco-lunar.
O alçapão corredio e três jardas de fio
Bastam para enforcar:
Co'a corda da vergonha veio a ação medonha
O Arauto praticar.

Éramos como um bando em pântano tateando
Na suja escuridão:
Não ousávamos dar vazão à nossa angústia,
Dizer uma oração;
Algo morrera em nós, e o que morrera fora
A Esperança... a Ilusão.

Pois a cruel Justiça do Homem Segue avante,
Vai firme, não trepida:
Tanto ela mata quanto mata o forte
Em sua mortal corrida...
É com tacão de ferro que ela mata o forte
A hedionda parricida!

Grossa de sede a língua, à espera das oito horas
Sentamo-nos à toa,
Porque o bater das oito é o sino do Destino
Que nos amaldiçoa
E tem a seu serviço um laço corrediço
Para a alma ruim e a boa.

Ficamos cada qual à espera do sinal
(Nenhuma opção melhor),
Como coisas de pedra em vale solitário,
Sem voz e sem rumor;
Mas cada coração batia lesto e presto,
Qual louco num tambor!

Quando, em súbito choquem, vem do relógio um toque
Que fere o ar invernoso;
Então, todo o presídio deu triste gemido
De desespero ocioso,
Igual ao som que chega aos assustados charcos
Do covil de um leproso.

E, como muitas vezes no cristal de um sonho
Vê-se o pior delito,
Eis na trave enganchada a corda besuntada
De cânhamo maldito,
E eis o som da oração que o laço do carrasco
Estrangulou num grito.

Somente eu conheci a dor que o fez berrar
Com amargor tão forte,
E os remorsos violentos e suores sangrentos
De sua negra sorte:
Quem vive mais do que uma vida também deve
Morrer mais que uma morte."

WILDE, Oscar.
Tradução: Paulo Vizioli

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