Não sei que dia é em minha volta

Não sei que dia é à minha volta
mas sei que fomos avistados na
certeza deste bairro,
rodeados de carros tristes e pombos
esmagados,
rodeados da comovente dor dos
candeeiros que servem para dar à
luz coisa nenhuma

(…)

Para que melhor me entendas
queria estender-te o pensamento
em palavras, mas não sei falar.
Para se falar é preciso estar dentro
da vida
É preciso encontrar uma rua que nos
leve ao peito
mas as ruas não andam
e eu nem a casa regresso

A minha linguagem é mais seca que
um deserto e mais incompreensível
que estes loucos que trago pendurados
na boca
Falar provoca doenças
Falar é mais grave que um tiro
Há que ter cuidado para não morrermos
de palavras por isso nem sou eu que 
escrevo
é a mão da minha infra-consciência

Mas quero dizer-te que estamos aqui,
não duvides, perante os carros mal
estacionados,

(…)

Estamos aqui e eu quero dizer-te
que é de ti que vêm as casas
e é de ti que vêm os ossos
E que se quiseres podemos ser
como as pontes:
eu num lado, tu no outro
e no meio a distância que
quisermos dar.


(SAMPAIO, Claudia. Ver no escuro. Lisboa: Tinta da China, 2016)

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